Escutei esses dias o fascinante relato de como se dão as interações no delizante mundo do skate.
Habitado quase exclusivamente por representantes do sexo masculino, é lugar de testosterona, portanto. E também suor (e, conseqüentemente, equipamentos úmidos e fedorentos, mas isso já é tema pra outro post).
Tanta rusticidade obviamente se reflete nas relações sociais do bando.
Quando um cara que não é local chega numa pista nova, por exemplo, ele fica meio que na sua, não se atravessa na frente de ninguém e tal. Anda quando dá, sem reivindicar a posse do terreno.
Depois de algum tempo, o novato identifica o macho alfa do território, ou seja, o local que anda mais, manda bem e, portanto, manda mais ali na pista.
Passado mais um tempo, o alienígena elogia a performance do suarento-mor do pedaço. Mas tem que ser um elogio macho, tipo alguma coisa com poucas sílabas, algo resmungado, sem sorriso acompanhando, e não muito babão. Só que tem que ser dito de modo que alguns dos presentes no local também escutem. Isso é fundamental. É a reafirmação do alfismo do macho-mor perante os betas, gamas, deltas, epselons e vai indo até o ômega.
O macho alfa grunhe algo ininteligível em resposta ao que está chegando, e continua andando de skate.
Já o novo entrante (putz, eu sei que entrante remete a associações nada machas, mas aqui quis fazer uma brincadeira com o lance do marketing, aquela análise de ambiente empresarial, Porter e sei lé eu quem e... ah, deixa pra lá). Então: o cara que está chegando na pista anda mais um pouco, sem invadir o território. Fica ali, andandinho, caprichando nas manobras. Quanto mais grind e volta e aéreo e ollie e carving e rock n'roll e tudo mais, melhor. E os locais vão percebendo que o visitante não é paneleiro (ou será que paneleiro é só pra surfista ruim que se diz?)
Aí vem um momento de tensão. Sempre vem. Um local - não o macho alfa, mas provavelmente o que queria muito sê-lo - se atravessa na pista, atrapalhando a performance do cara novo. Isso acontece uma, duas, mais vezes, porque o cara que está chegando é homem, e homem não costuma tomar providências imediatas. É preciso que a guerra seja explicitada. Sutileza nesse espaço não tem vez.
Então a tensão vai crescendo. E o visitante precisa se sair bem na situação, é um teste de fogo, ritual de passagem pra completar sua iniciação.
Finalmente, qundo a coisa fica meio muito, o cara novato toma providências. E ele consegue passar desse paredão fica-ou-sai, dá-ou-desce, anda-ou-desanda quando interpela o desafiante no tom certo, isto é, no estilo macho pacas. Grunhe algo que em portugês significa "sai daí, pô", isto é, alguma coisa com poucas sílabas, algo resmungado, sem sorriso acompanhando, dito de modo que alguns dos presentes no local também escutem. Ou seja, faz algo praticamente idêntico ao que fez pra elogiar o macho-alfa. (Eu já falei que ali não tem espaço pra sutileza, né?)
Mas então: o desafiante chega efetivamente pra lá, e a session (olha só quantra coisa do jargão skatístico eu já conheço) segue, com manobras e tombos, enquanto os participantes emitem gritos - ocasionais e contidos, claro - e ralam cotovelos, joelhos e pulsos.
Tendo já havido hematomas e sangue, tudo agora pode se encaminhar para o happy end.
Então, finalmente, acontece o grande momento do evento. O que todos esperavam. Aquele instante mágico, em que raios de sol passariam filtradinhos pelas nuvens, os anjos cantariam o Messias de Haendel, e pessoas ririam e se abraçariam felizes em câmarea lenta, se aquilo não fosse um encontro de rudes, ásperos, suarentos skatistas. Como o lance ali não tem nada a ver capa de livro das Edições Paulinas ou comercial de fim de ano das Lojas Pompéia, a linguagem é totalmente outra, claro.
Mas o grand finale, o happy end acontece de qualquer jeito.
É um final feliz masculino. Totalmente XY. Acontece assim: o macho alfa esfrega o nariz na camiseta, confere alguma coisa nos rolamentos do skate (também pode ser na lixa) e daí grunhe um elogio pro cara novo.
Pronto, o cara de fora agora é da turma, pode continuar andando e mais: ele pode até voltar um outro dia pra brincar com os guris.
segunda-feira, 28 de abril de 2008
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7 comentários:
Perfeito... além de dar um ótimo roteiro para documentário sobre vida selvagem :-)
Uma única observação...
"[...]É um final feliz masculino. Totalmente XX. Acontece assim:[...]"
Se é um final feliz masculino, não deveria ser XY, uma vez que XX é feminino?
Tudo bem, pode ser que meus parcos conhecimentos de genética também entrem em choque com meus nulos conhecimentos de skate...
No meu tempo era carrinho de rolemã, mas a parada rolava parecida!
ANÔNIMO: isso, isso. E vai passar no Animal Planet. Oba!
ENIO: o que seria do Calçolas se não fossem os estimados leitores? Muuuito obrigada pela observação. Acabo de corrigir o texto. A questão é que o meu post foi escrito lá pelas 6 da manhã. E nesse horário os neurônios ainda não chetgaram no serviço.
TONINHO: é isso mesmo que eu imagino, que no futebol, carrinho de rolemã, surf, biribol & etc. a coisa seja sempre mais ou menos por aí com a gurizada. Isso é um comportamento que vocês trazem lá dos tempos das cavernas, do mesmo jeito que nós, mulheres, trazemos outras heranças. Aliás, isso já pode virar outro post, assim que eu tiver mais um tempinho.
bah, é por esses textos que eu venho aqui, gurias. sensacional a observação do MUNDO SELVAGEM. a esfregada de nariz na camiseta foi a melhor!
Das cavernas trago o hábito de arrastar minha mulher pelos cabelos!
Muito boa a visão de Eva sobre alguns de nossos Adões.
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